Corria o ano de 1980. Deputado federal, fui convidado
pela Embaixada dos EUA para participar de um simpósio sobre legislação
americana no Departamento de Estado, em Washington. Lá fui compondo delegação
de parlamentares, professores de Direito e jornalistas. A visita se estenderia
por quatro Estados, desta vez para presenciar o início da campanha presidencial
americana, via eleições primárias no seio dos partidos, com destaque nos dois
maiores: o Democrata e o Republicano. No simpósio, aliás, interessante pelas
personalidades que participaram dos debates, chamou-me a atenção a palestra do
professor Valucheck, teórico do partido Democrata, sobre o molde da redação que
caracterizava as leis federais americanas, diria pelo seu teor substantivo
“curta e grossa”.
Permitiu-se o professor
fazer uma comparação com as nossas leis, por ele consideradas adjetivas pela
adição de parágrafos e alíneas, os quais, mais das vezes, distorcem o
instituído no caput, o artigo 1º. E deu
como possível exemplo: “Aqui nos EUA a lei reza, artigo 1º: É proibido fumar,
revogadas as disposições em contrário. No Brasil, o caput da lei é idêntico,
porém acrescenta o parágrafo 1º: se o cidadão é maior de 18 anos, pode fumar;
parágrafo 2º: se o cidadão for menor de 18 anos e tiver autorização do
responsável, pode fumar!”
Claro, senti-me ofendido e
reagi à esdrúxula comparação. Depois, analisando-a melhor, notei que ela tinha
sentido. Infelizmente esse detalhamento, normal em nossas leis, reflete um
sentimento cultural de amarrar a intenção da lei a certas salvaguardas,
tornando-a inócua, ou talvez, motivo de interpretações que distorcem seu real
objetivo.
Por que me alonguei com esta
lembrança retirada do baú envelhecido da memória? Porque se discute nesse cenáculo
surreal de Brasília sobre a proibição ou não de recursos de empresas para
financiamento aos partidos em campanhas eleitorais. Não discuto a intenção. É
honesta e vem do seio revoltado da opinião pública, face aos abusos ocorridos.
Porém, considero inaplicável, sobretudo no campo movediço de um pleito onde as
regras estão culturalmente estamentadas. Nelas, o ilegal e sua antítese, o
legal, se confrontam em favor do primeiro. Diria que não adianta dar uma de
Cícero, condenando Verres, pois o mau hábito prevalecerá.
Aliás, o Supremo está
decidindo por maioria a proibição e o Legislativo já procura uma saída para
tornar “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Outro detalhe. Inicia-se com
sintomas revanchistas campanha para quebrar a espinha dorsal da Lei da Anistia.
Lembro-me bem de sua origem quando se entendeu que era o momento de o Regime
Militar abrir caminhos de forma lenta, gradual e segura para a restauração da
democracia. Consequência imediata foi a Lei da Anistia, aprovada pelo Congresso
Nacional, e a ela dei meu voto consciente.
Os resultados, nada
obstante, percorrer caminhos pedregosos e episódios cívicos, desaguaram na
democracia que hoje nos nutre e ampara. Querem mudar a lei com objetivos cuja
transparência é solar: desenterrar a discórdia.
Somando a esse disparate,
setores da maioria querem tornar fantasia dispositivos que asseguram
impostergáveis direitos da minoria que luta para atender a um clamor nacional
pela busca da verdade do que acontece em nossa maior empresa, a Petrobras.
Leis, o Brasil tem a
mancheias. Muitas de fantasia e outras sérias que querem transformá-la como
tal. Na realidade o que não se tem aqui é cultura para cumpri-las. É isso.
*Ruben Figueiró é senador
pelo PSDB-MS
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